27/01/2010

um dia na vida de um menino

...queria escrever e não tinha como. nem papel, nem lápis. nem um painel de areia para resgatar ao mundo dos sonhos as palavras que queria entrelaçar com toda a doçura que conhecia. fez um trejeito maroto, enfiou as mãos nos bolsos, e lá foi andando pelo caminho de terra batida, com cheiro a folhas douradas, a coelhos a sair da cartola, a aviões mágicos que rasavam o manto de erva viçosa e, logo no minuto seguinte, alcançavam as nuvens penduradas lá bem no alto. e decidiu que ia escrever mais logo, quando a noite se lembrasse que era hora de começar a sacudir magos e feiticeiras para encantar todos os meninos. escreveria nas estrelas (se o céu estivesse limpo) ou até mesmo no vapor de água condensado colado às janelas (caso o céu não quisesse ser incomodado).
mais alguns passos dançantes e despreocupados à frente, e logo as mãos voaram para alcançar um cão pequenito, que mal abria os olhos, perdido do tempo das mães, no frio ingrato das pedras que conspiravam contra as pequenas almofadas das suas patas. parecia até que ainda não sabia andar... aconchegou o cãozito, abriu o fecho do casaco até meio e, sem pensar duas vezes, enfiou-o ali mesmo junto ao peito, segurando-o com as suas mãos de menino.
claro que, entretanto, já tinha escrito todo um conto fantástico com os olhos na paisagem que se ia abrindo à sua passagem. e recitava-o, de cor e salteado, como se a convencer-se, resoluto, que ia reescrever aquela estória junto da mãe e que ela já fazia parte dos seus próximos dias. até àqueles dias em que, quando deixasse de ser menino, voltaria ao dia de hoje para se reencontrar...

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