01/12/2010

o velho

as duas mãos repousam sobre a bengala
mantendo-a naquele ponto, inamovível,
como se ela houvesse de fugir para algum lado,
mostrando apenas as veias salientes que as decoram.
de costas bem direitas, braços distendidos,
com os olhos semicerrados sob a sombra
das abas do chapéu, por detrás das foscas lentes,
olha o rio com aquela serenidade própria
de quem de tempo não tem escassez.
com o perpassar da brisa salgada,
acentuam-se as rugas que têm impressos
todos e cada um dos anos que já viveu,
como se fossem veios de um tronco de árvore.
o já parco cabelo cor de platina esvoaça em desalinho,
acompanhando a dança do fato de linho
cujos passos e movimentos são ditados
pelos ventos que o rio parece cuspir na sua direcção,
como se quisesse ajudar as gaivotas mais incautas.
as ossudas maçãs do esbelto rosto velho
abrigam lábios de profundos sulcos feitos
que hoje descansam da miríade de palavras ditas
a pensar se um dia havia de lá chegar.