14/03/2011

feridas de sal

ainda me lembro das mãos do meu pai curtidas pelo sal e queimadas do sol. descalço, magro, seco, manuseava as redes de pesca com mestria. o silêncio não era duro, mas suavemente entrecortado pelo marulhar da água salgada. o estômago colava-se muitas vezes em súplica, mas ele nunca se queixava.
hoje, não terias orgulho em mim. aceitei fazê-lo. propôs-me dinheiro em troca. parecia tão feliz quando estava a pintá-la com os netos. retrato de uma família feliz...
não me arrependo, sabes? aprendi muito. e cresci. o ser humano é curioso. somos uma imensa planície por descobrir, um mar de águas tão turbulentas quanto calmas.
estou cansado, agora. vou fechar os olhos. a chuva bate na janela do sótão. incessante.
e volto a ver as tuas mãos, pai. reencontro-me nesta imagem e não sei o que quer dizer. feridas de sal. como se fossem rugas, sulcos profundos. o sol. espera por mim...

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