30/07/2012

o lobo

movia-se como um lobo, por entre as multidões de rostos multicolores que o circundavam em cada instante. não tinha alcateia. por opção! queria correr todas as estepes que pudesse encontrar. só quando o mundo já não tivesse outro canto virgem de amparo para lhe oferecer, que reclamasse os seus cuidados, é que retomaria o curso natural da vida impresso nas suas partículas mais ínfimas. isso podia nunca vir a suceder, mas não era coisa que o preocupasse neste momento da sua existência.
agora, tinha sonhos a cumprir, sorrisos de crianças para colher, plantas para regar. era o suporte de uma complicada teia de afetos, o sustentáculo de um intrincado novelo de necessidades comunitárias. atuava onde normalmente faltava sempre alguém, alguma coisa. onde a falta era palavra constantemente presente. onde a necessidade era o estado mais evidente! onde a nudez de afetos o faziam duvidar da humanidade de todos nós, da omnipresença de um Deus que era suposto estar de vigília, atento... ainda assim, acreditava Nele. porque já tinha vivido demasiado, já tinha visto muito e a vida não podia ser sem Ele! e gostava de ler os Evangelhos, com a mesma fome de quem gosta de devorar os textos literários abundantemente produzidos e editados nos nossos dias.
quando estava só (embora nunca estivesse verdadeiramente só), agarrava-se à guitarra e através dela entoava toda a extensão da sua alma. sisudo, apenas lhe conheciam sorrisos aqueles que ele raramente deixava que se aproximassem. não raras vezes, refugiava-se dentro de si, como se em luto de um passado doloroso que não queria que reaparecesse, com se em busca de complementos do que quer que fosse que conseguissem reunir os fragmentos em que se dividira a sua pessoa.
movia-se como um lobo, por entre a vida que o trespassa a cada instante. sentia que assim conseguiria enganar a solidão imensa que parecia querer tragá-lo de uma só vez, apartá-lo dos seus entes queridos.
movia-se como um lobo. a sua alcateia era a vida. as suas estepes, o mapa de todas as mãos que o percorreriam para nunca mais o esquecer...

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